«Os jornais dão todos os dias notícia de gente que morre por ódio. Na Palestina ou no Iraque (como, há cinco anos, em Nova Iorque) o ódio leva pessoas a um sórdido pacto com a morte: morrem para arrastar consigo outras pessoas, o maior número possível delas. A indústria do ódio, de que alguns grupos islâmicos são hoje os maiores especialistas mundiais, tem uma não menos sórdida vertente negocial: os vendedores prometem, em troca, o preço da bem-aventurança, obviamente a pagar - conforme o ancestral método dos caloteiros, civis ou religiosos - na eternidade. Mas também há, na vida como nos livros, quem morra de desinteressado e gratuito amor. Um estudo das universidades de Harvard e da Pennsylvania, agora publicado, conclui que a morte de um cônjuge aumenta entre 17% e 21% o risco de morte do outro, sobretudo se se trata de casais ligados por longo e fundo amor. Giulietta Masina, Johnny Cash, Sid Vicious, Fernanda Barroso e Dórdio Guimarães morreram pouco depois da morte dos companheiros (Fellini, June, Nancy, Álvaro Cunhal, Natália Correia). E é sabido que também muitos animais, como os cavalos-marinhos (ou os animais domésticos que não resistem à morte dos donos), morrem de amor. O homem é o único animal capaz de morrer de ódio.»
[Morrer de Amor, crónica de Manuel António Pina, no JN a 09.08.2006]